O Menino

Ninguém estranhou quando um menino apareceu em frente à casa e ficou parado, afinal de contas era uma vizinhança tranqüila e repleta de crianças. O que Dona Mirtes estranhou foi que o evento se repetiu pelos três dias seguintes, no fim da manhã.

Dona Mirtes sentiu-se – como ela disse à irmã em uma de suas ligações confidenciais – agoniada. No quinto dia tentara abrir e fechar as cortinas repetidamente e, sem sucesso, colocar a cabeça para fora da janela.

- Pra ele se sentir observado – alegou à irmã.

Mas o menino tornou a aparecer na semana seguinte. Trazia amigos que apontavam, riam, jogavam jogos na calçada. Eventualmente eles iam embora e ficava só o menino na calçada, sentado com o olhar sonhador. Às vezes ficava apenas alguns minutos, mas quando o tempo estava bom permanecia por horas. Dona Mirtes não ousava sair de casa enquanto o menino estivesse lá. Finalmente, chegou à conclusão de que estavam planejando um assalto. O menino na verdade era um anão e o cabeça do grupo, era isso.

- E na Polícia me disseram que eu estava paranóica, acredita? – disse à irmã.

E ela acreditava. Mas com o tempo o menino tornou-se referência para a vizinhança. Mesmo quando faltava, ficava em dobro no dia seguinte pra compensar, sempre no mesmo horário.

- O menino já apareceu. O almoço não sai não? – disse certa vez o marido de Dona Mirtes, Paulo Carlos.

Dona Mirtes já não falava mais com a irmã. Tampouco saía da janela. Comprara binóculos pelo correio e, quando não estava vigiando o menino, passava horas limpando as lentes.

***

Paulo Carlos não entendia a insistência do menino. Depois de um tempo, começou a perceber a semelhança entre os olhos do menino e os de sua falecida avó. Era seu filho, é isso, fruto do carnaval de 1997. Só podia. Sentiu-se culpado, precisava mudar de vida.

Reatou relações com sua amante. Já nem dormia mais em casa, mas Dona Mirtes não notava.

***

O menino, sentado na calçada, olhava para o telhado. Tinha sido a melhor bola de sua vida, não ia desistir. E no dia seguinte tornou a aparecer, tentando bolar um engenhoso plano de recuperação da bola que tinha ido parar lá por acidente uma tarde dessas.


Cada vez que você lê um post e não coloca umas estrelinhas, diversas pessoas estão fazendo xixi na piscina em que você vai entrar algum dia.
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