A velha tinha sido largada no Hospital – como relatou a enfermeira ao cara da recepção – só com uma plaquinha de “Cuidem Dela”.
- É, uma mulher lá. Largou ela bem ali, na salinha de espera do segundo andar. “Cuidem Dela”, acredita? Abandonada pela família, só pode.
- É horrível. Outro dia mesmo eu pensei que tinham abandonado um bebê na maternidade. Caos total, a Lucimara ficou desesperada – E o recepcionista parou a frase, deixando o desespero da Lucimara no ar. Ele preferiu não falar que no fim os pais que haviam saído tão emocionados olhando pra primeira foto que tiraram do filho que deixaram a criança pra trás por acidente, mas vieram buscar meia hora depois.
- E logo a Lucimara, que é tão equilibrada – concordou a enfermeira, pensativa.
Um dos médicos de plantão decidiu se juntar à conversa.
- É, essas coisas… – e fez uma pausa, dando a entender sua opinião sobre “essas coisas”. – Mas não sei não...
A enfermeira esticou o pescoço como sempre fazia quando ficava curiosa.- “Não sei não”, Dr. Ayrton?
- Ah, sabe como são essas coisas.
- Não, não sei. Ah, não sei mesmo.
- É, pode explicar aí Doutor – interveio o recepcionista.
- Ora, eu só estou dizendo o que está nos jornais. Pode muito bem ser um golpe, armação. Esquema pra conseguir comida de graça, sabe como é.A enfermeira olhou para o médico com um olhar de censura.
- Foi só um comentário, pôxa – e deu de ombros.
- Eu tive uma tia que fazia isso – falou o recepcionista, sério.
A enfermeira olhou para ele como se nunca o tivesse visto antes.O médico ficou quieto, como quem dava a entender que tinha avisado.Decidiram então chamar o Paulo, dos Raios-X, que como já tinha trabalhado com óculos-escuros contrabandeados entendia da questão.
- Isso pra mim está é envolvido com contrabando – concluiu o Paulo, com ar de quem entende das coisas. – Quando ninguém estiver olhando a velha rouba uns comprimidos aqui e ali e vende lá pra Bolívia junto com um rim.
- Eu li alguma coisa sobre o problema dos rins na Bolívia no jornal acho – falou o médico normalmente, como se falasse da seção de esportes.
O recepcionista pareceu pensativo.
- Minha tia sempre conseguia umas aspirinas de forma misteriosa, sabe. E se a gente tocasse no assunto ela saía da sala e ia fazer crochê – concluiu.
A enfermeira pôs a mão na boca, horrorizada. Em pensar que alguns minutos atrás quase oferecera chá para a velha, aquela charlatã contrabandista. Pouco tempo depois o recepcionista atendeu uma chamada. O “caso da velha do segundo andar”, como tinha ficado conhecido, já tinha se espalhado pelo hospital. Caos total. A Lucimara estava desesperada. Estavam isolando o perímetro naquele momento. A polícia havia sido contatada, só não tinha chegado porque aguardavam reforços.
A velha olhou o movimento no saguão com um olhar sereno e cansado. Passara a tarde esperando por notícias da filha, em cirurgia no segundo andar. O caso era grave. Com a fala debilitada pela idade, tudo o que ela podia fazer era segurar aquela plaquinha feita pela neta, rezando para que “Cuidem Dela”.
Cada vez que você lê um post e não comenta morre uma criancinha na África.
Cada vez que você não faz isso também.