sábado, 22 de março de 2008

Cuidem Dela

A velha tinha sido largada no Hospital – como relatou a enfermeira ao cara da recepção – só com uma plaquinha de “Cuidem Dela”.

- É, uma mulher lá. Largou ela bem ali, na salinha de espera do segundo andar. “Cuidem Dela”, acredita? Abandonada pela família, só pode.

- É horrível. Outro dia mesmo eu pensei que tinham abandonado um bebê na maternidade. Caos total, a Lucimara ficou desesperada – E o recepcionista parou a frase, deixando o desespero da Lucimara no ar. Ele preferiu não falar que no fim os pais que haviam saído tão emocionados olhando pra primeira foto que tiraram do filho que deixaram a criança pra trás por acidente, mas vieram buscar meia hora depois.

- E logo a Lucimara, que é tão equilibrada – concordou a enfermeira, pensativa.

Um dos médicos de plantão decidiu se juntar à conversa.

- É, essas coisas… – e fez uma pausa, dando a entender sua opinião sobre “essas coisas”. – Mas não sei não...

A enfermeira esticou o pescoço como sempre fazia quando ficava curiosa.- “Não sei não”, Dr. Ayrton?

- Ah, sabe como são essas coisas.

- Não, não sei. Ah, não sei mesmo.

- É, pode explicar aí Doutor – interveio o recepcionista.

- Ora, eu só estou dizendo o que está nos jornais. Pode muito bem ser um golpe, armação. Esquema pra conseguir comida de graça, sabe como é.A enfermeira olhou para o médico com um olhar de censura.

- Foi só um comentário, pôxa – e deu de ombros.

- Eu tive uma tia que fazia isso – falou o recepcionista, sério.

A enfermeira olhou para ele como se nunca o tivesse visto antes.O médico ficou quieto, como quem dava a entender que tinha avisado.Decidiram então chamar o Paulo, dos Raios-X, que como já tinha trabalhado com óculos-escuros contrabandeados entendia da questão.

- Isso pra mim está é envolvido com contrabando – concluiu o Paulo, com ar de quem entende das coisas. – Quando ninguém estiver olhando a velha rouba uns comprimidos aqui e ali e vende lá pra Bolívia junto com um rim.

- Eu li alguma coisa sobre o problema dos rins na Bolívia no jornal acho – falou o médico normalmente, como se falasse da seção de esportes.

O recepcionista pareceu pensativo.

- Minha tia sempre conseguia umas aspirinas de forma misteriosa, sabe. E se a gente tocasse no assunto ela saía da sala e ia fazer crochê – concluiu.

A enfermeira pôs a mão na boca, horrorizada. Em pensar que alguns minutos atrás quase oferecera chá para a velha, aquela charlatã contrabandista. Pouco tempo depois o recepcionista atendeu uma chamada. O “caso da velha do segundo andar”, como tinha ficado conhecido, já tinha se espalhado pelo hospital. Caos total. A Lucimara estava desesperada. Estavam isolando o perímetro naquele momento. A polícia havia sido contatada, só não tinha chegado porque aguardavam reforços.

A velha olhou o movimento no saguão com um olhar sereno e cansado. Passara a tarde esperando por notícias da filha, em cirurgia no segundo andar. O caso era grave. Com a fala debilitada pela idade, tudo o que ela podia fazer era segurar aquela plaquinha feita pela neta, rezando para que “Cuidem Dela”.




Cada vez que você lê um post e não comenta morre uma criancinha na África.
Cada vez que você não faz isso também.

2 comentários:

Thaminus disse...

Poxa, minha vó sempre conseguia aspirinas de forma misteriosa também. Depois, quando eu tive idade suficfiente pra saber das merdas do mundo, ela contou que ia no posto de saúde e pedia mais aspirinas do que precisava, só que ela guardava tudo no armarinho do banheiro. Aqui em casa ainda tem um estoque vencido, mas pelo menos eu não morro de dor de cabeça :D


E as criancinhas na África morrendo :~

FelipeB disse...

ahiuahuhuahuahiuhaiuhuahiahiuha

comentando tu salva elas hohohoh (roll eyes) u.u